domingo, 27 de março de 2011

Conto: Sol e Lua

            Não fazia muito tempo desde o nosso último encontro. Na realidade, ele ocorreu há poucas horas. Todos os dias somos obrigados a nos encontrar e, por uma ironia severa do destino que nos cerca, temos que nos olhar, desejar, muitas vezes até mesmo sentir e nunca, mas nunca nos tocarmos.
            Há quem diga que foi uma maldição. Dada por um ser extremamente poderoso e impiedoso. Aquele que não se comove com nossos olhares que suplicam, que clamam e pedem que essa agonia termine de uma vez por todas. Ele, para nosso infortúnio, não possui nome definido. Apenas existe. Simplesmente existe. E nos faz escravos de nossos próprios sentimentos reprimidos.
            O que aconteceu foi um castigo, não uma maldição. A diferença dos dois termos consiste no seguinte: maldições não podem ser quebradas. Não vamos romantizar a vida real como nos contos de fadas... Se você foi amaldiçoado, viverá disso para sempre. É assim que acontece.
            Por sorte, foi só um castigo. Dado por essa criatura do mal. Ou, talvez, seja um ser do bem, repleto de luz, vindo para iluminar todos os nossos sentires. Vivendo o que vivo, nessa tristeza quase profana, é difícil se dar conta da interpretação correta. Afinal, meus olhos estão velados. Vendados por mil faixas pretas. Isso, claro, se eu tivesse olhos.
Sabe como é, né?
Abandonar a condição humana faz parte do castigo.
Mas, voltando ao que interessa, nós nos vemos sempre (quando se perde globos oculares, adquirimos a capacidade de enxergar de novas maneiras) em torno das cinco e quarenta e sete, quarenta e oito, seja da manhã ou da noite. Eu estou indo repousar e ela, despertar.
Quando cruzamos, tento sorrir. Mas é tão veloz que nem sei se ela percebe. A expressão dela é sempre a mesma. Explosiva, extremamente intensa e, se não fosse tão quente, poderia jurar que é um furacão. Sua nova forma condiz com o que era. Tratava-se de uma menina apoquentada. E quando algo saía de seu controle, ah, ela acabava completamente ensandecida. Nunca saberei descrever uma criatura tão inconstante! Às vezes doce, às vezes amarga. Às vezes tão meiga e às vezes tão rude! Ela parecia borbulhar. Talvez seja essa a melhor forma de me explicar.
Enquanto eu sou justamente o oposto, o que ela cisma em não compreender por mais que eu me expresse de maneiras diversas. Somos muito diferentes. Eu possuo a serenidade que muitos invejam e, por outro lado, esse meu jeito peculiar pode ser confundindo com frieza, o que seria uma grande mentira. Eu brilho, mesmo sem raios e, por isso, acredito que a condição em que me encontro seja a minha verdadeira natureza. Possuo falhas, estou longe de ser perfeito, mas busco incansavelmente a perfeição. Cedo ou tarde chegarei lá. Quando humano, sempre busquei tratar todos bastante bem, mesmo que distantes. O que ela confundia com descaso, sabe se lá o motivo.
Nunca a entendi direito, por mais que me esforçasse. Da mesma forma, acredito eu, que ela também tenha tentado. Lamento que os esforços sejam insuficientes para o alcanço do objetivo final.
Foi por essa e outras razões que fomos castigados.
Precisamos, de uma vez por todas, perceber que o final feliz existe, sim. Mas não do jeito que esperávamos. Não do jeito que gostaríamos.
Nem sempre é possível alcançar tudo aquilo que almejamos.
Agora, talvez, consigamos, eu e ela, entender o significado de nossos novos corpos.
Há coisas que não foram feitas para dar certo. Como linhas paralelas que jamais poderão se cruzar.
 Há um limite.
No fim, sempre fomos exatamente o que somos hoje. Ela, um Sol radiante que não consegue parar de brilhar, inclusive nos momentos que chega a ofuscar. E eu, uma Lua repleta de amenidade, procurando em um mundo de uma Lua só, alguma outra que possa me rechear ainda mais de tranqüilidade.

8 comentários:

Anônimo disse...

É simples, mas faz muito efeito. Por algum motivo, tive a impressão de o texto "dançar" algumas vezes, especialmente perto do final. Isso indica, pelo menos pra mim, alguma poesia.

Geralmente, quando se personificam o Sol e a Lua, esta é a mulher e aquele é o homem. Engraçado você ter feito o contrário. Mas, bem, de qualquer forma achei essa visão lúgubre do amor dos dois muito sensata e bonita - e inspiradora. Do tipo que te faz olhar um pôr-do-Sol de um jeito diferente. Um eclipse seria o quê? São coisas a se pensar, histórias a se fazer. Penso que assim se formam as mitologias.

Esse texto é um bom começo para você começar a sua.

Sandra disse...

O texto fez eu me lembrar de "Ladyhawke".
Já tive tantos momentos de sol e lua, de lobo e falcão... tenho ainda.
Muito bom, Daws!

*_*

Thay Gomez disse...

Achei interessante você colocar a Lua como Ele e o Sol como ela, Mare ^^

Tem profundidade e, mesmo sabendo do título, eu imaginei um ser humano falando sobre outro. Lindo *.*

Sandra disse...

Daws do meu coração!


Passei pra te deixar um super beijo e desejar uma feliz páscoa a você e toda a sua família! :)

Aproveito pra te convidar a participar de uma idéia super legal que eu tive.
Segue o link:

http://migre.me/4iKXn

Beijo grande!

Nine Stecanella disse...

Oie Mare! Coloquei o selo do livro lá no blog. Tô curiosa pra ler.

Beijinho!
http://janinestecanella.blogspot.com/

(› Miss Bellα ϟ disse...

Oi Mare! pode visitar o meu blog? http://blogdamissbella.blogspot.com
Agradeceria muito!

BrunaReis disse...

Gente que textinho lindo *_*
Adorei, tu tem um talento incrível para escrita.
Aceitas parceria com meu blog? Gostaria de resenhar teu livro Chantilly e sortear ^^
Beijão
Bruna
http://desbravandohistorias.com.br

Um brasileiro disse...

Oi. Tudo blz? Estive dando uma olhada por aqui. Legal. Apareça por la. Abraços.

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